"Claro que não podia matá-la, como alguns talvez tenham imaginado. Já deviam saber que eu a amava - um amor à primeira vista, á última vista, a cada uma e a todas as vistas."
É dessa forma que Edgar Humbert Humbert demonstra, não pela primeira ou pela última vez, sua idolatria por Lolita (Dolores Haze), filha de sua senhoria e esposa.
Utilizando um humor um tanto ácido e uma narrativa incrivelmente elegante, o vigoroso romance a respeito do escritor intelectual que se apaixona por uma ninfeta (meninas com idade por volta dos 12 anos, com "natureza diabólica") é conduzido sob a divisão em duas partes: a primeira é iniciada por Humbert contando sobre quando e como, possivelmente, poderia ter tido origem a sua atração pelas ninfetas (um episódio na infância) e sobre outros acontecimentos, como sua permanência em parques e escolas para observar seus objetos de volúpia, seus casamentos, os rumos profissionais que segue, a chegada à casa de Charlotte Haze (mãe de Lolita) e a convivência com mãe e filha, até o início da polêmica viagem com Lolita pelos EUA, tudo isso permeado pelos devaneios com as garotas que despertavam sua sexualidade e o fascínio pela menina; na segunda parte há a continuação da viagem, seu ápice e suas eventualidades, e o desfecho.
O livro é repleto de referências a obras e artistas memoráveis que adornam a narração, como quando cita Venus, de Botticelli, quando o significado de Virginia para Edgar Allan Poe é considerado ou, convenientemente, qual é o efeito de Beatriz sobre Dante (e quantos anos ela tinha nesta passagem de A Divina Comédia), havendo comparações à Lolita em todos estes exemplos.
Lolita, por sua vez, é uma menina distraída, dotada de típicos acometimentos joviais de raiva e futilidade, de um QI altíssimo (não me recordo agora, mas é próximo à superdotação) e, segundo Humbert, de um feitiço quase mortal, sexualmente falando, ao passo que é desprovida da consciência de tal capacidade.
A narração é direcionada ao leitor, mas muitas vezes ao júri também, sem uma introdução ou qualquer satisfação concreta sobre a razão de ele estar depondo judicialmente, o que leva a suposições por parte do leitor. Há também momentos em que Humbert utiliza a 3ª pessoa para falar de si mesmo, o que demonstra um certo descontrole, desespero para sustentar o sofrimento passado por ele, o que está mencionando ou mesmo quando tem um acesso de fúria (este, um parecer um tanto pessoal de quem vos escreve).
A minha edição é de 2003, de uma coleção do jornal O Globo, de capa dura, tradução de Jorio Dauster e letras com uma fonte muito, muito pequena. No prefácio, um certo John Ray Jr. (suposto Doutor em Filosofia) apresenta a história como sendo real, publicada após a morte de Edgar Humbert Humbert, sem nomes ou referências verdadeiras para proteger a imagem dos "envolvidos", etc. e termina-o justificando os atos do personagem pedófilo com base na psicologia e psiquiatria, não por isso enobrecendo tais atos.
A primeira edição foi lançada em 1955 e já em 1962 foi filmada a primeira adaptação para o cinema, com a direção do lendário Stanley Kubrick. Em 1997 foi lançada outra versão, com Adrian Lyne na direção e Jeremy Irons como Humbert.
À primeira vista, pode parecer um caso estritamente pornográfico, principalmente se levadas em conta a época de seu lançamento e a repercussão que gerou até hoje, mas a realidade é que há muito a se considerar que apenas pornografia; o drama passado pelo personagem masculino manifesta a sociedade em torno dele que contribuiu para que ele interiorizasse o trauma passado na infância, por exemplo, ou que não se mostrou pronta a ajudá-lo quando ele descobre-se pedófilo; ao manifestar o amor por Lolita, ele não mente, sua preferência pelas meninas de 12 anos é real e em um ambiente em que cada pessoa só preocupa-se com os próprios incômodos (vide uma certa disputa de Charlotte com Lolita pela atenção de H. H.), é quase inconcebível a reversão do desvio de moral ou do que mais possa ser incluído aqui.
Por mais que o tom indiferente assumido em momentos com a adolescente e a perversão inerentes ao personagem masculino choquem, ou ainda, por mais que duvide-se do constante caráter tentador de Lolita por conta da insistência de Humbert em vê-la como criatura unicamente sedutora, sem dúvida, o livro merece leitura e releitura por ser inteligente, conceder uma visão diferenciada do problema e ser claro sobre tudo o que é tratado nele, mesmo que muitas vezes sem pudor.
Me inspirei para o parágrafo sobre Lolita e sobre o "pseudo-prefaciador" do livro ao ler este artigo aqui: http://www.amulhernaliteratura.ufsc.br/artigos/lo.html
Utilizando um humor um tanto ácido e uma narrativa incrivelmente elegante, o vigoroso romance a respeito do escritor intelectual que se apaixona por uma ninfeta (meninas com idade por volta dos 12 anos, com "natureza diabólica") é conduzido sob a divisão em duas partes: a primeira é iniciada por Humbert contando sobre quando e como, possivelmente, poderia ter tido origem a sua atração pelas ninfetas (um episódio na infância) e sobre outros acontecimentos, como sua permanência em parques e escolas para observar seus objetos de volúpia, seus casamentos, os rumos profissionais que segue, a chegada à casa de Charlotte Haze (mãe de Lolita) e a convivência com mãe e filha, até o início da polêmica viagem com Lolita pelos EUA, tudo isso permeado pelos devaneios com as garotas que despertavam sua sexualidade e o fascínio pela menina; na segunda parte há a continuação da viagem, seu ápice e suas eventualidades, e o desfecho.
O livro é repleto de referências a obras e artistas memoráveis que adornam a narração, como quando cita Venus, de Botticelli, quando o significado de Virginia para Edgar Allan Poe é considerado ou, convenientemente, qual é o efeito de Beatriz sobre Dante (e quantos anos ela tinha nesta passagem de A Divina Comédia), havendo comparações à Lolita em todos estes exemplos.
Lolita, por sua vez, é uma menina distraída, dotada de típicos acometimentos joviais de raiva e futilidade, de um QI altíssimo (não me recordo agora, mas é próximo à superdotação) e, segundo Humbert, de um feitiço quase mortal, sexualmente falando, ao passo que é desprovida da consciência de tal capacidade.
A narração é direcionada ao leitor, mas muitas vezes ao júri também, sem uma introdução ou qualquer satisfação concreta sobre a razão de ele estar depondo judicialmente, o que leva a suposições por parte do leitor. Há também momentos em que Humbert utiliza a 3ª pessoa para falar de si mesmo, o que demonstra um certo descontrole, desespero para sustentar o sofrimento passado por ele, o que está mencionando ou mesmo quando tem um acesso de fúria (este, um parecer um tanto pessoal de quem vos escreve).
A minha edição é de 2003, de uma coleção do jornal O Globo, de capa dura, tradução de Jorio Dauster e letras com uma fonte muito, muito pequena. No prefácio, um certo John Ray Jr. (suposto Doutor em Filosofia) apresenta a história como sendo real, publicada após a morte de Edgar Humbert Humbert, sem nomes ou referências verdadeiras para proteger a imagem dos "envolvidos", etc. e termina-o justificando os atos do personagem pedófilo com base na psicologia e psiquiatria, não por isso enobrecendo tais atos.
A primeira edição foi lançada em 1955 e já em 1962 foi filmada a primeira adaptação para o cinema, com a direção do lendário Stanley Kubrick. Em 1997 foi lançada outra versão, com Adrian Lyne na direção e Jeremy Irons como Humbert.
À primeira vista, pode parecer um caso estritamente pornográfico, principalmente se levadas em conta a época de seu lançamento e a repercussão que gerou até hoje, mas a realidade é que há muito a se considerar que apenas pornografia; o drama passado pelo personagem masculino manifesta a sociedade em torno dele que contribuiu para que ele interiorizasse o trauma passado na infância, por exemplo, ou que não se mostrou pronta a ajudá-lo quando ele descobre-se pedófilo; ao manifestar o amor por Lolita, ele não mente, sua preferência pelas meninas de 12 anos é real e em um ambiente em que cada pessoa só preocupa-se com os próprios incômodos (vide uma certa disputa de Charlotte com Lolita pela atenção de H. H.), é quase inconcebível a reversão do desvio de moral ou do que mais possa ser incluído aqui.
Por mais que o tom indiferente assumido em momentos com a adolescente e a perversão inerentes ao personagem masculino choquem, ou ainda, por mais que duvide-se do constante caráter tentador de Lolita por conta da insistência de Humbert em vê-la como criatura unicamente sedutora, sem dúvida, o livro merece leitura e releitura por ser inteligente, conceder uma visão diferenciada do problema e ser claro sobre tudo o que é tratado nele, mesmo que muitas vezes sem pudor.
Me inspirei para o parágrafo sobre Lolita e sobre o "pseudo-prefaciador" do livro ao ler este artigo aqui: http://www.amulhernaliteratura.ufsc.br/artigos/lo.html
Muito boa resenha! Li recentemente a mesma edição.
ResponderExcluirObrigada, Carolina! =D
ExcluirEngraçado, mas vejo Nabokov como um escritor que não consegue fugir aos legado russo, apesar de toda sua insistência. Os ensaios em que critica Dostoiévski são prova disso. Mas quando o lemos, vemos que por mais que ele tente não ter personagens histriônicos, aleijados, assassinos e o que mais puder ele não consegue escapar de uma questão moral tão profunda quanto a duplicidade de caráter do personagem de O Duplo, do Dostô. Sei que para ele literatura é arte, é brincar de ser algum demiurgo. Não importa. Aconselho que leia a Gargalhada no Escuro, um espécie de ensaio precedente ao Lolita.
ResponderExcluirObrigada pelo comentário!
ExcluirMal o li e já adicionei Gargalhada no Escuro à minha lista de leituras para 2013! =D