01/06/2015

Remissão da Pena, Patrick Modiano (o Nobel 2014)



Remissão da Pena conta as memórias do narrador, vividas durante sua infância. O narrador e seu irmão são deixados para viver com os amigos de seus pais, é ambientado em Paris após a Segunda Guerra Mundial e tem o tom bem triste (uma certa conformidade pós guerra, ou exaustão diante do "desnivelamento" geral da época). Autobiografia romanceada é empregado para classificação.

Antes de mais nada, a descrição do cenário predomina. As ruas e cruzamentos, as casas vizinhas e todo o local que servirá de palco para a história é apresentado para que o autor possa voltar aos caminhos já citados e os refazer de acordo com o fragmento da história contado.

Narrador é uma criança triste (ou conformada), com a mente adulta (mesmo que não nos seja informada a idade, é perceptível tal maturidade). Os fatos são apresentados à medida que ele ouve conversas entrecortadas ou tenta descobrir segredos.

Não se conhece a identidade do narrador até o momento em que ele é chamado por seu nome, Patrick, por um amigo, mas ao relatar uma memória de quando já era adulto. Em geral, ele é chamado por outras pessoas de "Patoche" e "Imbecil Afortunado".

A história traz alguns assuntos não tão explícitos, coisas são subentendidas: romances, possíveis alianças a grupos políticos, a profissão do pai, mas nada toma a devida proporção, considerando-se o que era revelado ao emissor. Os pais de Patrick quase não aparecem, estão viajando e dificilmente mandam notícias, seu pai fazendo trabalhos aleatórios e sua mãe viajando em turnê com o circo. Annie, madrinha de Patrick, tem um certo mistério. Com frequência, "vai ao Carrol's chorar", conhece pessoas estranhas, "deita-se no quarto na beirada da cama" em vez de deitar na cama inteira. Não se sabe o que ela faz ao certo. Não se sabe o que ninguém faz ao certo. Annie e todos talvez fossem rebeldes.

Pessoas são tratadas com impessoalidade, mesmo que próximas. Algumas ao menos são chamadas pelo nome: "Branca de Neve", o "sobrinho de Frede", o "filho do farmacêutico"... Ao se referir ao irmão, Patrick usa a seguinte forma: "Annie nos levou, meu irmão e eu, até Paris"). Episódios como a visita ao castelo do Marquês de Caussade lembra ao leitor que se trata de crianças. Patrick e seu irmão fantasiam uma suposta chegada do Marquês ao castelo próximo à rua em que moram, e planejam visitar o local para averiguar fatos que comprovem a existência do mesmo.

Ao passo que o texto demonstra certa impessoalidade, utilizam-se também expressões recorrentes que conferem familiaridade: "a pequena Hélène" é o termo usado em todas as vezes que se fala de Hélène; quando Annie viaja para algum lugar, o autor faz questão de dizer que foi com o "Renault 4cv"; ou com Jean D. e seu carro americano conversível; entre outros. Essa oscilação entre proximidade/distância na qual o leitor se vê, sugere que não haverá tanto apuramento dos mistérios dos personagens.

Marcos Lucchesi diz: "Poucos gestos em Remissão da Pena rompem momentaneamente o pacto de silêncio, o quase inaudível rumor de fundo, onde tudo acontece. Ou quase." Diz ainda: "A infância solitária se traduz nos rostos desfocados, sem maior definição, ao passo que os objetos são banhados por uma luz incisiva, formando uma constelação de coisas nítidas, pontos de apoio numa quase escuridão, apesar da contínua luminosidade, ou do andante musical."




A beleza do livro está na visão do narrador frente as situações pouco resolvidas (ou pouco explicadas). Em tudo o que se fala, pouco é revelado. O final do livro não é tão importante (apesar de dar um desfecho significativo à fase), visto que o decorrer do livro é marcante. O livro é curto, rápido de ser lido, o fluxo de ideias lembra, em algum momento, a narrativa de Virginia Woolf, principalmente pelos pensamentos rápidos e o tom da escrita melancólica e fria. Obra de alto nível.

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