14/09/2015

Que fim levou Juliana Klein? Marcos Peres


"Deixai toda a esperança, ó vós que entrais"

O romance policial brasileiro, caso haja uma "etiqueta" única para este gênero, está tomando proporções cada vez maiores, e, como consequência, sem perder a expectativa do desfecho, discussões mais profundas tem sido inseridas na trama. É o que Marcos Perez traz em "Que fim levou Juliana Klein?", da Editora Record.

As famílias alemãs Klein e Koch são rivais, partindo de antigos acontecimentos que envolvem orgulho e perda (um conflito que nem o próprio arquivo da polícia traz um início preciso e convincente). Talvez para fugir das desavenças, um dos integrantes dos Klein se muda para o Brasil em 1970 e, em 1996, integrantes da família Koch fazem o mesmo, coincidentemente ou não, fixando residência na mesma cidade brasileira, Curitiba. Contrariamente ao fim destes atritos, assassinatos são interpostos em um período aproximado de 6 anos, primeiro tendo uma família como vítima (os Koch, que perdem Tereza Koch), depois a outra família, o que reacende o atrito, agora ambas com representações notáveis no ensino da Filosofia curitibana. O ano vigente é 2011, Salvador Scaciotto, marido de Juliana Klein e pai de Gabriela Klein, está preso pelo assassinato de Tereza, Juliana está desaparecida, e Irineu de Freitas, delegado maringaense afastado do caso anterior por excessivo envolvimento emocional, tem a permissão oficial para voltar e ajudar a solucionar este desaparecimento.

Pela quantidade de personagens, fatos e datas envolvidas, o leitor pode contar com uma árvore genealógica, uma cronologia de tudo o que foi importante para as famílias desde o nascimento de seus patriarcas, Arkadius Klein e Heinrich Koch, e, para lembrar de eventos determinados,  o autor repete informações que tragam a situação à memória do leitor. A história é iniciada com o relato da psiquiatra de Gabriela Klein, que introduz, utilizando tom investigativo, aos arquivos que contém, principalmente, relatos dos anos de 2005, 2008 e 2011.


Cada época tem uma sutil diferença narrativa. À medida que o tempo passa, o clima atinge o nível psicológico e denota mais tensão, menos esperança de solução para o caso, mais cansaço por parte de Irineu. A narração é típica de romances policiais: terceira pessoa e as informações são apresentadas de acordo com o que o delegado sabe ou descobre. 

O grande diferencial de "Que fim levou Juliana Klein?" é a inserção da filosofia na busca da resolução dos mistérios. Juliana é uma personagem excêntrica e fascinante, e fez de Nietzsche sua especialidade. Em uma das seções de análise da mulher, Irineu descobre que ela tem 3 tatuagens inspiradas em "A persistência da memória", de Dali, "Saturno devorando um filho", de Goya, e "A morte, retratada por um curitibano", de Poty Lazarotto. O romance é permeado também por Darwin, Zagallo, Raskólnikov, Heráclito... Teorias interessantes são contextualizadas, entretanto Nietzsche e A Gaia Ciência são o núcleo de toda a estrutura.

Em seu livro, mas não apenas neste, Nietzsche explica sua teoria de "Eterno Retorno" e "Amor fati", que consiste no caráter cíclico dos acontecimentos: tudo o que aconteceu algum dia, acontecerá novamente. Pode-se pensar que situações extremamente boas se repetirão, mas Nietzsche, como bom representante do Niilismo, ressalta tragédias, dor e, apenas superficialmente, os prazeres. O diálogo a seguir, entre Irineu e Juliana, exemplifica bem esta teoria:
""Acabou, senhora. Nunca mais haverá isso." 
"Não acabou. Se entender bem o passado, compreenderá que está apenas começando. Mais injustiças ocorrerão."
"Por que diz isso?"
"Sinto em meu sangue. Vejo os fantasmas do passado e sei que o futuro tende a repetir - não é preciso ser um Klein ou Koch para saber disso. Estudei Nietzsche e aprendi duas coisas. A primeira é que o livre-arbítrio é uma falácia, um argumento covarde dos que não conseguem perceber que o mundo, para o bem e para o mal, está escrito no passado." (...)"
Tudo gira em torno da filosofia. As conexões de conceitos filosóficos ficam mais fortes e a qualidade do livro aumenta com o avanço da história. Erudição dos personagens, por exemplo, faz pensar em quanto conteúdo o autor, em uma conversa casual, poderia mostrar e, além da filosofia, analisa literatura, etimologia das palavras, interpretação.

Um trecho em que Salvador Scaciotto recorre à Bíblia para fundamentar um ponto de vista:
"Para explicar, recorro ao célebre Sermão da Montanha: 'Quando jejuardes, não tomeis um ar triste como o dos hipócritas, que mostram o semblante abatido para manifestar seu jejum.' Jesus não nos pede que jejuemos; pede-nos, apenas, que o ato não seja realizado com o fim de manifestar orgulho. Os hipócritas continuam a jejuar. No entanto, isso só mostra que não sabem interpretar. E que continuam hipócritas."
Prefácio e epílogo trazem uma forma de narração fria, acadêmica, diferentemente dos outros capítulos, que seguem a angústia dos personagens frente aos crimes. No Prefácio, ainda, o leitor é alertado a desconsiderar o Epílogo, por este conter "meros juízos de valor". Pouco prudente é aquele que o desconsidera, até mesmo por que o final pouco comum aqui contido pode ser visto como incompleto, caso não aliado ao capítulo final.

"Que fim levou Juliana Klein?" tem diversas passagens notáveis (dica: capítulo 40. Infinitas vezes ergui esta pistola) e é um bom exemplo dos rumos seguidos pela literatura brasileira. Sempre há um teor intrínseco, não necessariamente oculto, mas que deve ser buscado pelo leitor de literatura policial, entretanto se leitores ainda não encontraram a ligação entre filosofia e crime, certamente este livro é uma prévia do que seria Nietzsche no caminho de Poirot nos dias atuais. Agradeça ao delegado maringaense.

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