20/12/2015

A Rainha da Neve, Michael Cunningham

"Lá estava ela. Uma luz pálida, turquesa, translúcida, uma espécie de véu, na altura das estrelas, não, abaixo das estrelas, mas alta, bem mais alta do que uma nave espacial pairando acima da copa das árvores."


Desde a epígrafe de A Rainha da Neve, de Michael Cunningham, nota-se a influência evidente do conto infantil de mesmo nome, escrito pelo dinamarquês Hans Christian Andersen. Em ambos, o inverno e os domínios da neve são enfatizados, contendo relações de oposição entre personagens e eventos, mas no caso de Cunningham, em tom mais pesado.

Na ficção do autor norte-americano, quatro personagens são essenciais: Barret, Tyler, Beth e Liz.
Barret, em uma dada noite, após ter recebido uma mensagem via celular de seu namorado, dizendo que o relacionamento estava tendo um fim, vê uma luz no céu. Uma luz do tipo "aurora boreal", mas mais significativa, talvez um sinal divino. Ele não tem certeza.

Tyler, na casa dos 40 anos, irmão mais velho de Barret, é um músico viciado em drogas. Sua noiva, Beth, tem uma doença terminal e ele tenta compor uma música para ela, a melhor música de sua carreira. Barret e Tyler tem a mesma percepção sobre a doença de Beth, assim como sobre várias outras coisas, e a interação entre eles é ampla, mesmo que não haja consciência desta interação, que por vezes por ser antagônica.

Beth, é citada quase sempre passivamente devido à doença, não é exatamente uma personagem com voz ativa, ao contrário do noivo. Estando em um momento de moléstia, a moça tem, indiretamente, função em pontos-chave da história.


Liz é amiga dos irmãos e da moça, é uma mulher próxima dos 60 anos e que apenas se relaciona com homens mais novos, como Andrew, seu atual namorado. Aparentemente, na primeira metade do livro, as aparições de Liz  resumem-se a situações envolvendo Andrew.

Para suavizar a leitura, o autor utilizou uma escrita relativamente fácil, em discordância dos temas abordados. A narração fascinante e dotada de elegância foi trabalhada em 3ª pessoa, e diferentemente do costume, infere dúvida, tem preferências, o que foge do natural quando em primeira pessoa, mostrando a genialidade de Michael. Outra faceta é a capacidade de interação com o leitor deste narrador-observador, que realizando a narração no presente em boa parte da narração, também demonstra a mesma habilidade ao citar o passado.

A passagem seguinte mostra a leveza de Cunningham ao descrever a latência de uma conversa entre Barret e Tyler sobre o destino da mãe dos rapazes:
" - Você acha que ela simplesmente... Simplesmente se foi?
   - Não gosto de pensar nisso.
   Uma gota d'água, há muito sendo engordada, cai da torneira, com um diminuto ping, dentro de uma frigideira que está de molho."
A Rainha da Neve é dividido em partes: Uma Noite, Novembro de 2004, Véspera de Ano Novo, em que seus capítulos são momentos antes da meia noite do dia 31 e alguns momentos depois, voltando a Novembro, mas dessa vez, de 2008.


É possível notar a naturalidade com que a homossexualidade de Barret é tratada, não sendo vista como algo diferente, ou "explosivo" frente à causa homossexual. É tratada como a situação normal que realmente deve ser, sem um discurso de moralidade: ele tem um namorado, sim, um homem, da mesma forma que Liz também tem um namorado.

O conto de Hans está, sem que falte originalidade, em tudo: no cenário gélido, nas ações individuais que acabam se entrelaçando, na relação entre os irmãos. A Rainha da Neve de Cunningham é, ao mesmo tempo, divertido, desastroso, pesaroso e, principalmente, primoroso. E tentar defini-lo em alguns parágrafos é completamente inútil.

 "Dá para sentir a canção, pairando acima de sua cabeça. Quase dá para ouvi-la, não a melodia em si, mas o zumbido de suas asas. Ele está prestes a pular e a agarrá-la, puxá-la para si, segurá-la firme de encontro ao peito. Tudo bem se as pernas lhe açoitarem o rosto; quem se importa com bicos e garras? Está animado, está pronto. Não tem medo."

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