06/12/2015

O Berço do Herói, Dias Gomes




Em 1985, foi ao ar na televisão brasileira a novela Roque Santeiro, uma das mais famosas e bem construídas da história das telenovelas, vencendo os limites da censura na época. Anos antes, Dias Gomes havia escrito a história usada como base para a novela: O Berço do Herói, lançado em 1963, relançado em 2015 pela Bertrand Brasil.

O leitor é apresentado ao Cabo Jorge, um herói de guerra, integrante da Força Expedicionária Brasileira, morto em combate na Segunda Guerra Mundial, que com bravura, inspirou todos de seu regimento a lutar rumo à vitória, ao que tudo indica, na Batalha de Monte Castelo, na Itália. Sua bravura foi tamanha, que inspirou também sua cidade natal a mudar o nome para Cabo Jorge e passou a lucrar e a crescer por ter sido morada de um homem crucial em um evento histórico tão importante.

A cidade era típica interiorana, situada na Bahia. Não é revelado o nome anterior de Cabo Jorge, tudo o que ocorre é contado a partir da chegada do progresso àquele pedaço de mundo até então esquecido. Festas e quermesses são feitas em nome do herói Jorge, bandeiras são hasteadas em celebração, a viúva do cabo faz discursos emocionados relembrando os bons tempos, o prefeito aproveita para se eleger em nome de sua familiaridade com o falecido, o major ganha prestígio com a população, rendas são obtidas em nome do mito e é aberto até um bordel, maior sinal de progresso.

O problema mesmo é quando a dona do bordel, Matilde, encontra um homem desconhecido e peculiar, tratando-a como se a conhecesse de longas datas. Sem entender muito o que se passava, ela o indicou a procura da viúva. Ao chegar na casa da "viúva", que era Antonieta, uma namorada passageira do Cabo, toda a história da cidade cai por terra: o rapaz desconhecido, na verdade, é Cabo Jorge, ferido durante a guerra, desertor por medo da morte.

O Berço do Herói foi escrito na forma de teatro, com 15 personagens (mais alguns personagens neutros que representem o povo da cidade em determinadas cenas) e o cenário envolve 4 locais de ação (praça da cidade, os 2 bordéis e a casa da viúva). A peça é dividida em 2 atos, totalizando 13 quadros e o reaparecimento do Cabo ocorre no início, no 3º quadro.

Salvo algumas modificações no enredo, como nomes de personagens e a ênfase a eventos diversos, as histórias do livro e da representação na novela são próximas em seus conteúdos. As características do discurso nordestino são muito evidentes e tornam a leitura marcante e prazerosa, não só com a presença das gírias locais, mas com o andamento dos diálogos, que são rápidos e entrelaçados.

O prefácio é brilhantemente assinado por Paulo Francis e é do tipo que aproxima o leitor. Escrito 1 ano após o lançamento do livro, além de explicar o que está por ser lido nas páginas seguintes, oferece uma visão geral da situação imperfeita do país e do estilo do autor (este perfeito), que abusa do cômico em doses certas para abordar o que é dotado de gravidade.

O fato de tal obra literária ter sido concebida como teatro só amplia sua versatilidade a todos os públicos e evidencia sua grandiosidade. E àquele que presume ter encontrado uma contradição nos últimos termos do parágrafo anterior, mas não só a ele, está altamente recomendada a leitura de O Berço do Herói.


"Cabo Jorge

"Vivemos em tempos que não são os nossos
aprendemos línguas
que jamais seremos capazes de falar;
caminhamos para um mundo
onde sucumbiremos de tédio,
embora tenhamos por ele lutado.

Os que vieram antes de nós
nos roubaram todas as causas,
todas as bandeiras
e somente uma opção nos deixaram
os que vieram antes de nós:
o Sexo ou a Revolução.

O tempo do homem é chegado!
Matemos então um bocado deles.
Aqui está a grande verdade:
viemos a hora das posições absolutas.
Direita volver! Esquerda volver!
Ou vamos à guerra, ou vamos às putas."

As mulheres riem e aplaudem."

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