22/04/2016

Toda Poesia de Augusto dos Anjos

Solitário
Como um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta,
Por trás dos ermos túmulos, um dia,
Eu fui refugiar-me à tua porta!

Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos conforta
Cortava assim como em carniçaria
O aço das facas incisivas corta!

Mas tu não vieste ver minha Desgraça!
E eu saí, como quem tudo repele,
— Velho caixão a carregar destroços —

Levando apenas na tumbas carcaça
O pergaminho singular da pele
                                                     E o chocalho fatídico dos ossos!



Augusto dos Anjos foi um poeta paraibano, nascido em 1884. Sua genialidade ultrapassou os séculos e, como muitos outros poetas, uma maçante apresentação de sua única publicação em vida, "Eu", por meio da doutrina escolar. Em 2016, a Editora José Olympio preparou a reedição dessa obra, acrescentando uma seleção de poesias não recolhidas em livros pelo autor, além de um ensaio brilhante assinado por Ferreira Gullar.

"Augusto dos Anjos ou Morte e Vida Nordestina" é o título da análise de Gullar para Augusto dos Anjos. Tal estudo é o grande diferencial da edição, pois disseca cada ramo do ardor do escritor simbolista, expõe as circunstâncias em que ele escrevia, quais influências e características.

Gullar reconhece Augusto como um autor ousado, que previu a era seguinte do Modernismo. A visão da morte e da aceitação da matéria orgânica como inerente ao ser humano é o principal sinal de emancipação do que era considerado comum naquela época.

Ferreira Gullar destaca:
"Dessas concepções materialistas, atingiu-o sobretudo a noção da morte como fato material, da vida como um processo químico dentro do qual o corpo não era mais que uma organização "de sangue e cal", condenada inapelavelmente ao apodrecimento e à desintegração"
A base de Augusto dos Anjos era o niilismo europeu, o que sugere o questionamento: um autor nordestino proferindo ensinamentos europeus? A resposta cabível seria: a miséria do nordeste, a seca, o estilo de vida que o autor foi exposto se aplica bem à corrente filosófica do pessimismo e do ceticismo. Esta postura também direciona a outro ponto, relacionado à independência cultural do Brasil. Gullar aponta a modernização do país, a "melhoria" da escrita e da forma de ver o mundo, porém ressalta o paradoxo desta independência, já que o caráter social do país continuava o mesmo e os moldes para uma escola literária era mais valorizado quando originados no Velho Mundo - e nem sempre demonstravam a realidade local.

Paralelos com vários autores são feitos no estudo crítico, com autores orientados na prosa, na poesia moderna, pré-moderna, pós-moderna, filósofos, tamanha a qualidade e conteúdo nos versos do escritor paraibano. Uma lista de palavras excêntricas é feita, apontando a estranheza e o mérito do vocabulário.

A poesia de Augusto segue um padrão concreto da percepção, ele utilizou palavras de cunho médico, com significados prosaicos ou pouco vistos, além de a forma não se ater apenas à métrica e à rima, pois a fonética dos versos e a forma de falar, a forma com que a língua se movimenta na cavidade oral fossem únicos. Em outras palavras, são poesias para serem lidas em voz alta.

A leitura - do livro Eu, e principalmente dos poemas não publicados pelo autor - não é sempre fácil. Requer um certo conhecimento do vocabulário para a compreensão completa. Quanto à forma, ele brinca com os sonetos em seus 14 versos, divide os poemas em estrofes com 4 ou mais versos, mas mantém um estilo próprio, distancia-se da aleatoriedade.

Por fim, Ferreira Gullar, que rebateu o concretismo encabeçando o neoconcretismo poético, termina suas considerações salientando que os autores não tem culpa da crítica acentuada da poesia, da revelação completa de tudo o que há por trás do poeta e dos escritos: "No que se refere a Augusto dos Anjos, pode-se dizer que ele pagou o preço de ter sido o primeiro a pôr em versos a indigência da morte (e vida) nordestina". A partir deste ponto - no livro e neste texto - o desfrute das palavras de Augusto fica por conta do leitor.

Minha Finalidade
Turbilhão teleológico incoercível,
Que força alguma inibitória acalma,
Levou-me o crânio e pôs-lhe dentro a palma
Dos que amam apreender o Inapreensível!

Predeterminação imprescriptível
Oriunda da infra-astral Substância calma
Plasmou, aparelhou, talhou minha alma
Para cantar de preferência o Horrível!

Na canonização emocionante,
Da dor humana, sou maior que Dante,
- A águia dos latifúndios florentinos!

Sistematizo, soluçando, o Inferno...
E trago em mim, num sincronismo eterno
A fórmula de todos os destinos!





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