10/06/2016

Diário de Andrés Fava, Julio Cortázar

"Talvez este diário seja uma típica ocupação de argentino; como o café - diário oral da vida -, as mulheres encadeadas, os negócios fáceis e a tristeza mansa."

Publicado em 1950, Diário de Andrés Fava é um livro atípico, escrito por Julio Cortázar e se me pedissem para lhe atribuir um adjetivo, certamente eu diria "louco".

Como se já conhecêssemos o personagem principal, Andrés, intimamente, não há apresentações, o autor nos direciona, logo no início, às páginas do diário que desencadeiam assuntos a partir da espera em um ponto de ônibus em Chacarita.

Andrés, se porta mais como Alter Ego de Cortázar, e é oriundo de outro livro: El Examen. A leitura prévia dessa obra não é requerida para entendimento da segunda aparição de Andrés na ficção, que possui apresentação epistolar e poucas características de romance, além de um andamento bem rápido.

Como tema principal, pode-se citar a redação de um diário, como redigir um texto, as preferências de Fava (ou Julio). A literatura é analisada a todo momento e todos os temas terão seu arremate na escrita. Ainda que os assuntos não apresentem delongas, alguns pontos citados são retomados.

O padrão de parágrafo e pontuação não é seguido em determinadas passagens, o que pode ter como explicação o movimento cultural da época, que se encaixava entre o fim do Modernismo e início do Pós Modernismo no mundo - o que esclarece também outras estranhezas que a escrita proporciona. Algumas palavras estão em itálico para reforçar o sentido.

Algumas notas curiosas devem ser ressaltadas: o autor apresenta opinião terminantemente negativa acerca de Demian, de Herman Hesse; disserta sobre o indivíduo e a espécie para abordar a escrita; faz indagações sobre quando se sabe que vai morrer e qual postura adotar (ser bom ou mau?); o formato é de diário, todavia não contém apenas o que aconteceu no momento da escrita ou no dia, abrange também memórias.
 
A leitura não é fácil, apesar de rápida e o livro, curto, e as várias referências aos ramos da filosofia e arte podem ser uma contribuição para essa dificuldade. Não consegui assimilar exatamente todo o conteúdo, ou não estava preparada para isso, mesmo achando a leitura proveitosa. Fiquei bastante confusa, já que esperava algo diferente e Cortázar foi além, me apresentou algo ainda mais inovador, algo que a cada frase, foi preciso pausar a leitura e refletir.

"Espero um ônibus em Chacarita. Tempestade, céu pesado sobre o cemitério. Respeitando a fila, fico um bom tempo contemplando a copa das árvores que se antepõem ao peristilo. Uma linha contínua de copas (o céu cinzento torna-a mais profunda e a purifica), ondulando graciosa como se bordejasse as nuvens."

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